terça-feira, 19 de julho de 2011

Humor :: A diferença entre riso e felicidade

Texto retirado do site da Revista Galileu


Pesquisadores constatam que rir é um ato social e, muitas vezes, triste

É comum acreditar que a felicidade está ligada ao humor – a capacidade de perceber e apreciar a diversão e a graça da vida e de rir por causa disso. Mas como demonstraram pensadores como o filósofo grego Platão (427 a. C–347 a. C) ou o pai da psicanálise, o austríaco Sigmund Freud (1856–1939), isso não é bem verdade. A função do riso pouco tem a ver com a demonstração do chamado bem-estar subjetivo – que seria uma forma de definir sentimento efêmero da felicidade.

Também é essa a conclusão do pesquisador Robert R. Provine, professor de psicologia e neurociências da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e coordenador de uma das maiores investigações sobre o significado do humor e do riso na sociedade. Os resultados de seu estudo deram origem ao livro Laughter: a scientific investigation (Riso: uma investigação científica), publicado no final do ano passado, nos Estados Unidos. Durante dez anos, Provine gravou e analisou 1.200 situações que provocaram boas risadas, envolvendo homens e mulheres, em locais de convívio comum, como shopping centers, festas e escolas.

O pesquisador notou que as pessoas riam 30 vezes mais quando estavam acompanhadas do que sozinhas (assistindo a um filme ou lendo um livro, por exemplo). Em menos de 20% dessas situações, as risadas eram provocadas por piadas ou por qualquer tentativa de fazer humor.

Provine também notou que o riso funciona como ponto a favor nos jogos de relacionamento entre os sexos. As mulheres riem mais do que os homens, principalmente quando conversam com eles. Por sua vez, os homens obtêm mais retorno em risadas do que as mulheres – sejam os seus interlocutores do mesmo sexo ou não. Para aprofundar sua pesquisa, Provine analisou 3.475 classificados amorosos de oito jornais (daqueles em que as pessoas procuram um parceiro). E constatou que a maioria dos homens preferia mulheres risonhas (confundindo às vezes com senso de humor) enquanto suas parceiras estavam em busca de alguém que as fizesse rir (preferiam homens divertidos, engraçados). Da mesma forma, Provine analisou o riso no ambiente de trabalho e constatou que ele é mais comum entre os subordinados, quando se dirigem ao chefe, do que o contrário. Chefes, segundo ele, são mais solenes e sérios e não se preocupam em "quebrar o gelo" social.

Risada sombria

Rir não é um ato exclusivo dos humanos, ao contrário do que imaginava Aristóteles (383 a. C.–322 a. C). Orangotangos, gorilas, chimpanzés e outros membros do grupo dos primatas também dão boas risadas quando estão em grupo. Mais um ponto a favor da teoria de que o riso estaria desvinculado de emoções mais elaboradas e próximas da felicidade, como constata Provine. A psicóloga Emma Otta, professora da Universidade de São Paulo e autora do livro O Sorriso e seus Significados, concorda. "Apesar de funcionar como um indicador de alegria genuína, muitas vezes uma risada espontânea também pode ser uma expressão de desconforto. É um tema que precisa de mais investigações", afirma.

Todos os pesquisadores são unânimes em afirmar que "rir é o melhor remédio" como constatam os estudos acerca das atribuições positivas e terapêuticas do riso, como o fortalecimento do sistema imunológico no combate a infecções, as propriedades analgésicas, devido à liberação de endorfinas, e o auxílio no transporte de nutrientes no organismo. Mas há um lado sombrio dessa manifestação sonora, que em nada lembra uma demonstração de felicidade. Há relatos de doentes terminais que tiveram acessos de riso antes de morrer, de explosões de risadas em contextos sociais pouco apropriados, como funerais ou hospitais, e risos provocados pela descarga elétricas do cérebro durante ataques epiléticos.

Epidemia histérica

O episódio mais bizarro relacionado ao riso, relatado no livro Laughter, ainda que pareça ter saído diretamente de uma daquelas lendas urbanas que circulam pela internet, ocorreu em janeiro de 1962, no vilarejo de Kashasha, localizado em Tanganica, hoje parte de outro país africano, a Tanzânia. Três alunas de um internato para meninas começaram a rir sem parar, mania que logo se espalhou entre 95 das 159 estudantes. A escola foi forçada a fechar as portas, para evitar tumulto. Só pôde reabrir quatro meses depois, mas teve que ser fechada novamente, após um mês, pois mais 57 meninas tiveram ataques de risos, que duraram várias horas. Em alguns casos, eles continuaram por 16 dias. Mesmo depois desse estranho acesso diminuir, as professoras relataram que as alunas sofreram grande dificuldade em acompanhar as aulas durante várias semanas.

A epidemia migrou para a cidade de Nshamba, onde os pais de várias meninas do internato moravam. Cerca de 200 dos 10 mil habitantes foram contagiados. Um outro episódio foi relatado em escola próxima. A epidemia durou dois anos e meio, atingindo mães, irmãs e primas das meninas, além de outras mulheres de outros vilarejos. A possibilidade de ter sido conseqüência de uma reação tóxica foi descartada e concluiu-se que a origem dos ataques era histérica. O caso – trágico – é considerado uma prova de que, embora o riso seja contagiante, nem sempre é sinônimo de felicidade.

Piada para inglês ver

A pesquisa pode parecer engraçada. Mas seus realizadores consideram um assunto sério. Cientistas britânicos submeteram 10 mil piadas à avaliação de 100 mil pessoas de 70 países. Aquela considerada a melhor piada foi divulgada no final do ano passado (não responsabilizem os brasileiros pelo gosto. Eles não participaram da pesquisa).

O estudo foi coordenado pelo psicólogo Richard Wiseman, da Universidade de Hertfordshire, na Grã-Bretanha, e criador do Laboratório do Riso. Ele identificou também as piores piadas e constatou que homens e mulheres não têm o mesmo senso de humor. Enquanto eles se divertem com histórais preconceituosas e agressivas, elas preferem as que enfatizam os jogos de palavras. Veja a seguir o que os participantes consideraram engraçado:

A melhor piada: O detetive Sherlock Holmes e seu assistente Watson foram acampar e armaram suas barracas sob as estrelas. No meio da noite, o detetive acorda seu amigo e diz: "Watson, olhe para as estrelas e me diga o que você deduz". Watson responde: "Vejo milhões de estrelas, e mesmo que poucas tenham planetas, é possível que alguns sejam como a Terra e tenham vida". Holmes responde: "Watson, seu idiota. Você percebeu que alguém roubou nossa barraca?"

A pior: Por que a galinha atravessa a rua? Para chegar ao outro lado.

Ilustração: Alex Silva

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Um comentário:

  1. Estou utilizando este texto e trabalhando diversas questões sobre o riso com os meus alunos da EJA.
    Abraços.

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