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Hiperatividade e Déficit de Atenção desde um olhar psicanalítico
A contribuição da psicanálise com relação a esta temática é de grande e fundamental importância, pois é através de seus aportes que se tem a possibilidade de resgatar o sujeito em sua subjetividade, recolocando-o em cena novamente. Para compreender o olhar que a psicanálise dedica à problemática, desde a perspectiva pela qual se optou, é importante situar, ainda que em breves linhas, a concepção teórica da qual se parte e de como se entende a constituição do sujeito psíquico.
Uma revisão dos princípios fundamentais da técnica psicanalítica com crianças vem sendo realizada por Bleichmar (1993, 1994, 1999) em seu trabalho teórico-clínico, a partir das novas propostas – surgidas com os trabalhos de Lacan e, principalmente, de Jean Laplanche, da Escola Francesa – de uma concepção não biologizante das origens do psiquismo humano.
Para esta autora, que trata de redefinir o conceito de neurose na infância partindo da concepção de um sujeito em estruturação, é fundamental ressituar o conceito de recalcamento originário e o lugar deste na constituição do aparelho psíquico. Para isto, parte da hipótese desenvolvida por Freud na metapsicologia (1915) em que ele postula o recalcamento como o movimento fundante da diferença entre os sistemas inconsciente e pré-consciente/consciente, um processo que ocorre sobre as representações na fronteira desses sistemas, o que, para Bleichmar (1993), mostra a intrínseca relação entre inconsciente e recalcamento. Desta forma, a autora parte do pressuposto de que o inconsciente não está presente desde as origens do ser humano, mas que é produto de um grande movimento que abre as possibilidades tanto para sua instauração como para a do sistema pré-consciente. Este último caracteriza-se pelo funcionamento do pensamento em processo secundário (uso das categorias da linguagem, com temporalidade, memória, possibilidade de significar, historizar, operando com uma lógica que inclui negação, dúvida, isenção de contradição, terceiro excluído).
A autora lembra que o inconsciente freudiano, por sua vez, é definido por conteúdos bem específicos, tais como sexualidade infantil recalcada, e regido pelas leis do processo primário, o que implica a tendência a livrar-se das quantidades de excitação (energia pulsional livre, desligada) pelas vias mais diretas, de forma imediata e total. É a clivagem da tópica psíquica que abre as possibilidades de passagens transformadas entre os sistemas inconsciente e pré-consciente para acesso à consciência.
Em seu trabalho, Bleichmar (1999) faz um profundo desenvolvimento em cima da metapsicologia freudiana tomando dela aspectos retrabalhados por Jean Laplanche. Parte da concepção de que o psiquismo se constitui na relação intersubjetiva com o outro adulto em movimentos reais que são efeito da cultura.
Segundo sua proposta, e com base na teoria da sedução generalizada de Jean Laplanche, nos primeiros tempos da vida do bebê humano, há uma alteração radical do instinto sexual, ou seja, daquilo que é da ordem do biológico, da preservação da espécie, do autoconservativo (que a criança traz ao nascer). Isto ocorre com a instalação da sexualidade propriamente humana, que em psicanálise se denomina pulsão e é da ordem do prazer e do desejo, o que se dá na relação de cuidados que o adulto dispensa à criança, para a satisfação de suas necessidades vitais, através das zonas de intercâmbio, que só assim se tornam erógenas.
Estes primeiros tempos são os da constituição da pulsão para Bleichmar (1999), quando um excesso de excitação ingressa no aparelho incipiente a partir da satisfação das necessidades do autoconservativo. É o externo sexual materno que inscreve um interno excitante que vai exigir trabalho, descarga, alívio. E justamente porque pulsa e ataca desde dentro a criança (então objeto passivo), esse pulsional, essas quantidades de excitação, serão motor do progresso psíquico. Este é o efeito da sexualização precoce inevitável que a criança sofre, em função da assimetria existente entre adulto e criança, pelo fato de o adulto já ter um aparelho constituído, já ter a sexualidade infantil recalcada, já ter atingido a genitalidade e, por isso, ser muito maior sua riqueza de conteúdos. Seguindo os aportes teóricos de Laplanche (1992), em decorrência disto circulam na relação com a criança mensagens sexuais enigmáticas verbais e não-verbais que são desconhecidas pelo próprio adulto (emissor), porque são originadas no inconsciente deste.
Do lado da criança, nesses primeiros tempos, seguindo as idéias de Laplanche (1992), o que existe são montagens adaptativas insuficientes; não há ainda um sujeito psíquico constituído, não há ainda um sujeito que possa dar conta desses enigmas, não há um ego unificado com representação totalizante de si, com recursos para dar sentido ao que ingressa. Na relação da criança com o adulto, quantidades de excitação são intrometidas e não podem ser evacuadas a nível zero, quantidades essas que o aparelho incipiente terá que metabolizar e para as quais terá que encontrar formas de resolução.
É este sexual que ingressa que produz a vida psíquica; inicialmente o aparelho psíquico busca evacuar, derivar essa quantidade de excitação que nele ingressou e que é traumática e que, se não encontrar formas de ligação, deixa o sujeito entregue à compulsão de repetição.
As condições para a metabolização e ligação deste quantum de energia não surgem de um processo natural; elas precisam ser constituídas e também dependem da relação com o outro adulto. Para Bleichmar (1999), estão relacionadas com a função narcisizante do outro humano, que desde seu ego e seu narcisismo pode ver a criança como um todo, como um ser humano diferente de si, como alguém capaz de sentimentos e pensamentos próprios, propiciando-lhe condições para ir constituindo uma representação de si unificada, abrindo possibilidades de ligação das quantidades de excitação e de repartição de cargas por vias colaterais. Tudo isto vai complexizando o entramado de representações que constitui o ego, havendo somente a partir daí possibilidade de amor objetal.
Também é a partir da existência de um ego, que é correlativo do recalcamento originário, que vai ser possível inibir o funcionamento em processo primário, frear a livre circulação da libido, viabilizando um funcionamento mais articulado em nível de processo secundário e de produções simbolizantes (Bleichmar, 1999).
Constitui ainda pré-requisito para instalação do recalcamento originário a interposição de barreiras ao livre exercício pulsional, como nojo, vergonha, piedade, as quais também se constituem na relação da criança com o adulto, de quem ela não quer perder o amor. Mais tarde o recalcamento secundário – que tem a ver com o complexo de Édipo, constituição do superego e das instâncias ideais, a partir de identificações secundárias – irá consolidar o recalcamento originário.
Dentro desta visão, Bleichmar (1994, 1999) propõe em seus estudos diferenciar entre sintoma e transtorno, partindo da concepção de que esta diferença conceitual funciona como um guia metapsicológico para a clínica; por esta diferença diagnóstica determinar quando se está diante de um aparelho psíquico constituído ou não. Para isso, parte das idéias de Freud (1926) em que este define o sintoma como sendo um sinal e um substituto de satisfação pulsional que não aconteceu, sendo decorrente do processo de recalcamento, para operar esta diferença.
Sua idéia é que para uma manifestação de comportamento ser considerada um sintoma é preciso haver um aparelho psíquico clivado, isto é, diferenciado em sistema inconsciente e sistema pré-consciente/consciente, de modo que aí, sim, esta manifestação vai estar atravessada por um representante psíquico. Se o aparelho psíquico não terminou de se constituir e ainda não tem os sistemas bem definidos, estas manifestações podem ser consideradas transtornos, por serem anteriores à instalação da barreira do recalcamento e, portanto, não constituírem uma conciliação, uma solução de compromisso para um conflito que se caracterize por ser intrapsíquico, intersistêmico.
Também se faz importante marcar que Freud (1926) identifica uma diferença entre inibição e sintoma em que aponta que, no processo de inibição, este não implica necessariamente uma patologia, como no caso do sintoma. A inibição estaria no nível de uma alteração das funções do ego; já o sintoma implica um processo patológico por afetar a função, e haver um comprometimento de uma função do ego. Desta forma, todo sintoma acarreta uma inibição. Todavia, Bleichmar (1999) reforça bem esta discriminação enfatizando que nem toda inibição é um sintoma, mas que em todo sintoma há uma inibição.
A autora propõe esta questão justamente por considerar a hiperatividade e o déficit de atenção como manifestações que estão relacionadas a uma falha na estruturação do psiquismo, a uma falha na estruturação do ego e, portanto, em muitas situações, não constituírem um sintoma no sentido freudiano do termo, uma vez que o sintoma, ainda que patológico, sinaliza maior complexização psíquica.
Bleichmar (1999) entende estas manifestações como da ordem de uma falha egóica no sentido de que as manifestações de agitação, impulsividade e desatenção dão conta de um ego que não está exercendo suas funções de inibição e ligação das cargas libidinais. É um ego que não está operando com o funcionamento a nível de processo secundário nem com o princípio de realidade. Nele, a temporalidade, a negação, a dúvida e a lógica do terceiro excluído ainda não funcionam a pleno, e por isso deixam o sujeito entregue aos comportamentos que dão conta de um pulsional desligado, de um déficit de simbolização por uma falha na capacidade ligadora do ego que não possibilita metabolizar e teorizar o excedente do que invade o aparelho psíquico.
Dentro do que propõe Bleichmar (1999), a hiperatividade e o déficit de atenção têm a ver com algo que não se constituiu no ego, com algo que falhou na estruturação do aparelho psíquico. Por isso, faz-se necessário um trabalho que busque resolver essas falhas de base. É necessário cada vez mais aprofundar os estudos e a compreensão metapsicológica destas manifestações psicopatológicas; para isso, é importante entender como o externo se faz interno, como o que ingressa de fora se processa, se inscreve e circula no aparelho psíquico, tanto aquilo que vem do outro como o que vem do social.
Da mesma forma, Sigal (2004) entende que, para dar conta dessas patologias da atualidade, é preciso aprofundar os estudos metapsicológicos. Ao pensar de que modo o arcaico se instalou e como operacionalizou a prioridade do outro na instalação do pulsional caso a caso é que se pode ter maior compreensão de situações nas quais os elementos não puderam ser traduzidos e, por isso, ficaram sem sentido, sem ligação.
Fonte: http://www.constructo.com.br/web2/index.php?option=com_content&view=article&id=57:hiperatividade-e-deficit-de-um-olhar-psicanalitico&catid=42:artigos
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