Como todos sabem, cinema e psicologia possuem uma forte ligação, pois a arte e a vida vivem
numa confusa relação, de modo que uma não é capaz de existir sem a outra, como já nos
apontava Nietzsche. Nesta série, pretendo analisar o perfil psicológico dos grandes vilões do
cinema e da vida real, de forma que seja possível entender como aquele jovem inocente com
cara de mocinho pode se tornar um monstro sem escrúpulos ao longo da história. O mais
interessante será mostrar como essa realidade não passa longe da nossa própria psiquê
(e enchendo vocês de spoilers hahaha). Então, mãos à obra!
O primeiro personagem sobre o qual me debruçarei será Norman Bates, protagonista do lendário
"Psicose" (Psycho) de Hitchcock. A trama, datada da época de 60 parece ser mais um velho filme
sem efeitos especiais de qualidade e monótono, afinal não passa de mais um filme em preto e
branco. Era o que eu pensava. Após assistir o seriado Bates Motel (sobre o qual falarei
futuramente), que retrata a vida do jovem Norman durante sua adolescência utilizando elementos
do enredo original, percebi o grande potencial da trama em relação ao conteúdo psicológico que
carrega. Após comentários sobre a mesma em minhas aulas de psicanálise, resolvi assistir o filme
original. Não consegui desgrudar os olhos da tela. Para minha surpresa, Hitchcock era realmente
um gênio do suspense (Parabéns André! Ninguém jamais pensaria nele dessa forma se não
fosse por você). A trama é extremamente bem construída e te prende do início ao fim num
suspense composto de personagens bem elaborados com cenas sem delongas, sem mimimi,
sem cadeiras que balançam do nada ou janelas que se batem. O terror psicológico vem do fato de
você não saber do que cada personagem é capaz; aliás depois você percebe que não sabe nada
sobre nenhum deles, o que deixa o espectador totalmente a mercê da trama.
Quanto a personalidade de Norman e de sua mãe Norma, por serem extremamente complexas
dividirei este artigo em partes:
Introdução: Norma & Norman: A encarnação do Édipo Freudiano
Parte I Infância de Norman: Você é tudo para mim e eu sou tudo para você
Parte II Adolescência de Norman: Você é uma garotinha, Norman! Por isso não pode me desejar!
Parte III Bates Motel
Parte IV Vida adulta: "Yes, mother"
Bônus: Um pouco sobre Ed Gein, o assassino que inspirou o cinema
Vamos então discutir a relação entre Norman e Norma Bates, o que servirá de prelúdio para
compreender a trama. Apresentarei os fatos segundo os filmes da sério Psycho e, como acabei
de mostrar, farei uma parte falando sobre a série Bates Motel, uma vez que a mesma não
pertence a série de filmes original e apresenta algumas alterações no enredo. Norma Bates é
uma personagem intrigante. Uma jovem mãe solteira que cria seu filho Norman num motel à beira
de uma rodovia que no decorrer da série deixa de ser rota principal devido à um desvio, o que faz
seu empreendimento ir de mal à pior num piscar de olhos. Até este ponto tudo parece normal.
Porém ao analisarmos melhor a vida de Norma Bates durante a trama, veremos na mesma e nas
suas relações diversas problemáticas que irão influir na personalidade doentia de seu filho, a
começar pelo próprio nome.
A proximidade do nome é intencional; Norma e Norman são tão próximos que chegam a parecer
uma única pessoa. Este tipo de relação entre os dois é que dará margem para a psicose de
Norman. Uma vez que Norman era tudo para sua mãe, que nesta altura estava sozinha no
mundo, ela também era tudo para ele. A relação de ambos pode ser considerada incestuosa,
uma vez que podemos considerar o incesto como uma relação parental em que não são definidos
os limites de cada pessoa da relação. Ou seja, Norma e Norman se confundem, como se um
fosse extensão do outro; este comportamento tomará forma nítida no comportamento psicótico de
Norman, que nunca superará sua mãe, levando ela consigo em um quadro patológico onde ele
não é capaz de discernir sua personalidade de sua própria mãe.
Um ponto forte da trama, que tomará maior ênfase na adolescência de Norman será o édipo que
existe na relação entre os dois. Reza a lenda grega que o oráculo de Delfos havia previsto que o
filho do rei mataria seu pai
e casaria com a mãe. O rei imediatamente manda matar a criança, que acaba vivo graças à
piedade do carrasco. Anos mais tarde esta criança, agora chamado Édipo se tornará um exímio
guerreiro que comandará tropas contra o rei grego. Assim Édipo mata seu pai biológico e
desposa a rainha sua mãe e cumpre a profecia. Ao ser informado que era filho biológico do rei e
de toda a profecia, Édipo enlouquece e fura seus olhos, decidindo vagar pelo mundo até cumprir
sua pena. Na psicologia Freud aponta um processo conhecido como Complexo de Édipo, no qual
as crianças tendem a se identificarem mais com o genitor do sexo oposto e rivalizar com o do
mesmo sexo. Faz então uma analogia onde existem etapas de processos onde, por exemplo,
o menino deveria matar simbolicamente o próprio pai para se constituir homem; há um
simbolismo de matar os pais, por exemplo ao sair de casa e se tornar alguém que viva por sí e
não mais uma extensão de outra pessoa.
Norman Bates nunca teve êxito neste processo. Embora sua relação com sua mãe fosse
conturbada em alguns momentos, podemos ver o mesmo agindo de forma servil na cena seguinte
. Norman jamais superou sua mãe em nenhum sentido. Mesmo após a morte da mesma ela
continuava viva para ele, influenciando seu comportamento com ordens diretas do que ele
deveria fazer. Sua mãe sempre possuiu um comportamento extremamente agressivo e autoritário
, realizando punições diversas que acabariam por impedir que Norman pudesse superá-la.
Norma Bates era uma mulher forte, ferida pela vida e que teve de criar seu filho sozinha,
gerindo um motel falido no meio do nada. Era um mulher tão forte que tornou impossível a
missão de Norman de se tornar um adulto completo, livre do jugo parental e ciente de sí e de sua
própria identidade.
Devido ao pouco contato com outras pessoas, Norman acaba por ficar preso num círculo familiar
que é patológico; a falta de relação com outras pessoas contribui muito para que sua
personalidade seja moldada apenas pela sua mãe, sua única família. O comportamento ciumento
da mãe em relação a Norman também agravará o processo, impedindo que o mesmo canalize
seus desejos sexuais para qualquer pessoa se não sua própria mãe. Norma, por outro lado,
parece ter uma vida mais ativa ao ponto de encontrar um novo amante. E é neste momento que
toda a atividade psicótica de Norman tomará forma... Esta é apenas a primeira parte que servirá
como introdução para a série. No próximo artigo, falarei mais sobre a infância de Norman e
porquê ela foi fundamental para a construção da sua personalidade.
© obvious: http://obviousmag.org/a_psicologia_do_cinema/2015/norman-bates-i---norman-e-norma-a-encarnacao-do-edipo-freudiano.html#ixzz3jMjjnqDw
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