Texto retirado da revista Mente & Cérebro, ed.184, março 2008.
Escrita para curar |
Em alguns casos, escrever de forma orientada sobre experiências traumáticas pode ajudar pessoas a refletir sobre si e a superar a dor da perda |
por Massimo Barberi |
POR QUE FUNCIONA?
Embora alguns psicanalistas ressaltem a importância da codificação verbal de conteúdos armazenados em forma não-verbal, outros reconhecem a mudança que a escrita é capaz de provocar na percepção de si. Algo similar àquilo que Sigmund Freud imputava ao papel do diário. A “voz do ausente”, expressão usada pelo fundador da psicanálise para designar a escrita, pode facilitar a elaboração de perdas e a aceitação do luto e da separação – o que abre caminho para reparações psíquicas.
Mas, afinal, como o registro das experiências no papel pode causar tantos benefícios? “É muito difícil encontrar uma única explicação para um fenômeno tão complexo”, reconhece Solano. “O fato é que ao longo da vida todos passamos por eventos mais ou menos traumáticos e, mesmo que estejamos bem e não apresentemos transtornos significativos, é provável que haja um elemento estranho em nossa mente que pode impedir o desenvolvimento máximo das potencialidades. Por isso, quando escrevemos regularmente sobre nossas emoções e trajetória, quase sempre vem à tona um evento que nos perturba. Escrever ajuda a reelaborar e superar essas vivências desagradáveis.”
Outra hipótese, complementar à anterior, sustenta que a escrita “ensina” a mente a pensar de forma mais complexa e articulada. “É uma espécie de exercício mental que ajuda nas relações com os outros e consigo mesmo”, afirma o psicólogo. Certos estudos demonstraram que, após escreverem seguindo essa técnica, as pessoas se tornaram mais ativas nas relações com os outros. “Os experimentos mostram ativação de habilidades sociais, maior facilidade para se expressar afetivamente e, em alguns casos, a escrita ajudou a redefinir metas profissionais”, observa. É como se, ao serem colocados no papel, desejos, necessidades e emoções se tornassem mais claros.
“Na clínica, o objetivo é ajudar o paciente a compreender melhor as questões que o inquietam, aproximar-se dos sintomas e da dor psíquica de forma protegida, traduzindo emoções em palavras”, diz o professor de psicossomática Luigi Solano, da Universidade La Sapienza, em Roma, autor de Scrivere per pensare (Escrever para pensar, não lançado no Brasil). Ele acredita que a escrita terapêutica ajuda a pessoa a descrever detalhes de experiências negativas, explicitar sentimentos, colocar os fatos em ordem cronológica e estabelecer nexos. Para ele, escrever e falar não se contrapõem, mas, diferentemente do que se dá na comunicação verbal, na qual há espaço para associações inesperadas, que muitas vezes levam a questões inconscientes intrincadas -– e fundamentais para o tratamento –, na escrita o foco é mais definido.
EXPERIÊNCIAS TRAUMÁTICAS
Estudo publicado no Journal of Paliative Medicine apóia a idéia de que descrever os próprios sentimentos e emoções em uma narração coerente dos fatos pode ser útil em situações específicas, como superar o luto da morte do cônjuge.
O estudo desmonstrou que os problemas somáticos reduziram em quantidade e intensidade. Essa foi a primeira demonstração de que a “técnica da escrita” pode ter efeito positivo na saúde em geral, inclusive a física.
Uma possível explicação é fornecida por pesquisas sobre os efeitos da escrita sobre o sistema imunológico. Expressar no papel as próprias experiências negativas parece aprimorar a percepção da pessoa a respeito de si, tornando a somatização mais tênue. Smyth constatou também a redução nos níveis de cortisol (hormônio produzido por uma glândula do sistema neuroendócrino, ativado nos momentos de stress) nos pacientes que escreveram sobre seus traumas. O fato não surpreendeu, já que os sistemas imunológico e neuroendrócino desempenham papel decisivo nos sintomas da asma e da artrite reumática.
Adapatei partes para minimizar o texto- Andréia Miglioranza Marin.
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