terça-feira, 9 de agosto de 2011

Obesidade, cirurgia e emagrecimento

Texto retirado da revista Psique edição 67 de 2011.

O que acontece com as pessoas durante esses processos? E a mudança de ser gordo para ser magro pela cirurgia bariátrica, pode gerar transtornos psicológicos?

Por Agência Notisa de jornalismo científico

A obesidade é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a epidemia do século. Dados recentes revelam que 48,1% da população adulta no Brasil está acima do peso e 15% são obesos.
Com o número de obesos, aumenta também a quantidade de cirurgias bariátricas realizadas. Pesquisas revelam que, em dez anos, de 1999 a 2009, o número de cirurgias para obesidade mórbida cresceu mais de 500% no País.

A doença, que aumenta de forma alarmante no Brasil e no mundo, é multifatorial e o componente psicológico exerce papel importante nesse cenário. Psicólogos e psiquiatras discutem fatores psicológicos que estão por trás da obesidade e como os recursos da Psicologia e da Psiquiatria podem ser importantes para pessoas que se submetem às cirurgias bariátricas. Será que nessa transição é preciso aprender a "pensar" como magro?

Preguiçoso, acomodado, glutão. Estes e outros adjetivos depreciativos são, com frequência, referenciados a pessoas obesas que, ao senso comum, parecem simplesmente não se esforçarem para perder peso. O problema desta avaliação é que ela ignora que a obesidade muitas vezes não é mera consequência da baixa atividade física ou de um estilo de vida sedentário. Ou seja, nem sempre a obesidade e a permanência do indivíduo nesse estado podem ser explicadas por razões puramente fisiológicas.

À obesidade podem estar atrelados transtornos psicológicos graves. As necessidades emocionais específicas de pessoas obesas tornam o processo de emagrecimento uma luta frustrante e de resultados geralmente temporários, conseguidos por meio de dietas e "pílulas milagrosas" que ignoram possíveis fatores emocionais ligados ao ato de comer. "O objetivo [no tratamento da obesidade] deve ser estabelecer uma relação saudável entre o indivíduo e a comida, de forma que esta perca a função de nutrir os afetos", orienta a psicóloga clínica e psicoterapeuta corporal Mary Scabora.

Segundo a profissional - que coordena no Rio de Janeiro o projeto Integração, de tratamento multidisciplinar de emagrecimento para o obeso - o ato de comer tem uma significação única, que vai além da mera obtenção de energia, relacionando-se na verdade com suas funções mais primitivas. "Na literatura psicanalítica, a boca é o primeiro acesso de comunicação com o mundo externo. É na fase oral que estabelecemos esta relação e que temos contato com sentimentos como prazer, satisfação, amor, agressividade, raiva, privação e medo", explica. Pessoas obesas comumente usam a comida como um substituto emocional, recorrendo a ingestões elevadas e compulsivas de alimentos para fugir do enfrentamento de decepções, frustrações ou acontecimentos que os deixem ansiosos. Nestas condições, diz Mary Scabora, "o excesso de comida cumpre o papel de preencher o vazio existencial".

Ainda que não seja possível estabelecer um "perfil" da pessoa obesa, já que a forma como esta lida com sua condição depende de fatores sociais e ambientais - por exemplo, o desconforto com a aparência depende muitas vezes de o obeso ter vivido ou não situações em que foi ridicularizado devido a seu peso -, a doença não raro é acompanhada de déficits psicológicos, como baixa autoestima, ansiedade, sentimento de culpa, depressão e insegurança. Este quadro pode resultar em transtornos alimentares. Amanhã no blog postarei sobre esses transtornos relacionados a obesidade.

Mudança drástica
Estudos têm mostrado que a cirurgia bariátrica traz mudanças psicológicas, sociais e emocionais rápidas.

Uma pesquisa publicada ano passado no periódico internacional Surgery for Obesity and Related Diseases corrobora essa ideia. Ao avaliar a qualidade de vida e a autopercepção de imagem corporal de 200 pacientes antes da cirurgia e 20, 40 e 92 semanas após a intervenção, David Sarwer, da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, e colegas observaram que de forma geral os pacientes apresentam significativa melhora na qualidade de vida e na imagem corporal nos primeiros meses após a operação. Esses benefícios, segundo eles, se mantêm geralmente até o segundo ano do pós-operatório.

Por outro lado, outras investigações têm apontado que problemas psicológicos podem se desenvolver após a cirurgia. Por exemplo, segundo um estudo de Ronis Magdaleno e equipe, do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, embora o reencontro com o corpo após o procedimento cirúrgico seja vivenciado pelos pacientes como um meio de reintegração social, um sentimento de desamparo também é frequente nesse período. Tal desamparo, segundo os autores, pode levar a sintomas fóbicos. Desequilíbrios nas relações familiares e conjugais também podem ocorrer e contribuem para desencorajar a continuidade do tratamento. Além disso, alguns pacientes podem buscar constantemente cirurgias plásticas para corrigir o excesso de flacidez e as cicatrizes. Os pesquisadores chegaram a essas evidências após entrevistar qualitativamente sete mulheres que haviam sido operadas entre um ano e meio e três anos. A pesquisa em questão foi publicada em março deste ano na Obesity surgery.

Dados diversos, como os apresentados, são fonte para questionamentos. Qual a importância do acompanhamento psicológico no pós-operatório de cirurgias bariátricas? Será que todos os pacientes necessitam desse suporte? Afinal, é preciso aprender a "pensar" como magro?

Para o médico Adriano Segal, coordenador do departamento de Psiquiatria da Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), o "acompanhamento no pós-operatório não é mandatório para todos os pacientes, apenas para aqueles que apresentavam um transtorno psiquiátrico [aí, o acompanhamento seria psiquiátrico] ou psicológico no pré-operatório ou para aqueles que venham a apresentar um problema depois da operação, causado por ela ou não". Ele destaca, entretanto, que uma minoria dos pacientes se enquadra nessa segunda categoria, ou seja, desenvolvem problemas em função da cirurgia.

Além disso, o psiquiatra explica que a "ideia de pensar como magro ou como gordo não procede, já que nem todos os magros comem pouco nem muito menos de um modo saudável e nem todo gordo come em grande excesso e de modo não saudável. Esta generalização é uma das fontes do grande preconceito contra o gordo e deve ser prontamente abandonada".

Por isso, Adriano considera que os médicos devem esclarecer todos os aspectos relativos à obesidade, à técnica cirúrgica, ao emagrecimento e aos cuidados pós-operatórios ainda no pré-operatório. "No pós-operatório, precisamos ficar atentos à adesão ao tratamento e a problemas psiquiátricos que porventura venham a ocorrer. Neste caso, deve-se instituir o tratamento mais adequado para o caso", afirma.

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