Já coloquei no blog matéria sobre dismorfobia, mas esta também está bem completa.
E é importante o entendimento da mesma, pois é um transtorno muito atual e sempre lidaremos com ele na clínica ou conhecemos alguém com o mesmo.
Batalha contra o espelho
Pesquisa mostrou que 69% dos entrevistados pensam não ter uma boa imagem, pelo menos uma hora do dia. Mas há casos em que a insatisfação com a própria imagem chega a ser patológica. É quando surge o transtorno dismórfico corporal
Por Roberta de Medeiros
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As cirurgias plásticas viraram uma obsessão do cantor americano Michael Jackson, cujas intervenções começaram em 1984 e não pararam mais. Em uma entrevista concedida em 1993 à apresentadora americana Oprah Winfrey, o astro pop se descreveu como perfeccionista e "nunca satisfeito com nada", incluindo a sua aparência. Jackson não estava sozinho. Afinal, quem nunca se sentiu insatisfeito diante do espelho ao menos por um dia? Mas há quem confira dimensões extremas à conhecida fábula do patinho feio e transforme o próprio corpo num verdadeiro campo de batalha. São pessoas que sofrem de uma desordem psicológica chamada dismorfofobia ou transtorno dismórfico, que as faz alimentarem idéias irreais sobre a própria imagem corporal. É o caso da engenheira química C., de 39 anos, que teve sérios problemas devido à excessiva preocupação com a sua aparência física. Dizia que seu rosto se tornava flácido e que suas bochechas estavam prestes a desabar. Começou, então, a se sentir insegura a ponto de não sair na rua sozinha. Deixou de dirigir, ficando a maior parte do tempo em casa. Passou a ter espasmos no rosto e deixou até mesmo de falar. Exames clínicos, porém, não mostraram qualquer alteração na pele ou no tônus muscular do rosto de C., mulher jovem e de boa aparência.
O distúrbio foi relatado pela primeira vez pelo psiquiatra italiano Enrico Morselli, em 1886. À época, foi descrito como um sentimento de feiura ou defeito no qual a pessoa sente que é observada por outras, embora a sua aparência esteja dentro dos limites da normalidade. Por isso, o distúrbio recebeu o nome de "hipocondria da beleza". Somente nos Estados Unidos, o distúrbio atingiria cerca de 5 milhões de pessoas ou 2% da população. "Trata-se de uma certeza, muitas vezes delirante, de que uma parte do corpo não está bem. Enquanto a pessoa que alucina inventa o mundo, o delirante vê o mundo com outros olhos", compara o neurologista Edson Amâncio, autor do livro O homem que fazia chover.
"Em geral, as queixas envolvem falhas imaginárias ou leves no rosto ou na cabeça, como acnes, cicatrizes, rugas ou inchaços", diz. Dificuldades sociais e conjugais ocorrem com as pessoas que têm o transtorno, dependendo da gravidade, a ponto de terem sua vida completamente desestruturada. "O prejuízo pode ser resultado do tempo que se gasta com a atenção ao corpo, em detrimento de outros aspectos da vida, quase sempre negligenciados", diz Amâncio. "Quem sofre da doença se olha com frequência no espelho ou em outras superfícies refletoras para checar a aparência, o que pode consumir muitas horas por dia numa atitude compulsiva bastante difícil de resistir", diz o neurologista. Outros, ao contrário, esquivam-se de espelhos em uma tentativa não bem-sucedida de diminuir o mal-estar e a preocupação.
Michael Jackson era obcecado por sua imagem. Tanto que realizou a primeira cirurgia plástica em 1984 - e nunca mais parou. Perfeccionista, ele dizia que nunca estava satisfeito com nada, nem com a sua aparência |
Camuflagem
As queixas de quem tem preocupação exagerada com o corpo, entretanto, são vagas. Muitas pessoas evitam descrever seus defeitos em detalhes, podendo se referir à sua "feiura" em geral. Essas pessoas tentam camuflar seus defeitos imaginários com óculos escuros, bonés, luvas ou roupas. O psiquiatra e psicoterapeuta Geraldo Possendoro, professor da Unifesp, lembra que a crença de que algo está errado com o corpo pode extrapolar todos os limites. "A pessoa pode se queixar de que os poros do nariz estão muito abertos, por exemplo. Muitas vezes não há defeito algum ou o defeito é supervalorizado pelo paciente", diz Possendoro, para quem o problema muitas vezes está associado à baixa autoestima.
Os indivíduos com esse transtorno frequentemente pensam que os outros estão observando o seu "defeito", o que pode levar a uma esquiva das situações sociais que, levada ao extremo, chega até ao isolamento social. "Esses pacientes buscam e recebem tratamentos para a correção de seus defeitos imaginários, em uma peregrinação por diversos profissionais, principalmente cirurgiões plásticos, sem, no entanto, corrigir os supostos defeitos", diz Possendoro.
Dificuldades sociais e conjugais ocorrem com as pessoas que têm o transtorno, dependendo da gravidade
Alguns especialistas chegam a questionar se a anorexia poderia ser um caso de dismorfofobia, já que os indivíduos supervalorizam o tamanho do seu corpo e se angustiam com seu defeito imaginado. Já Possendoro defende o diagnóstico diferencial entre anorexia do transtorno dismórfico.
O tratamento inclui antidepressivos e psicoterapia. A literatura, no entanto, aponta a possibilidade de que o transtorno seja, na verdade, um delírio somático, uma crença irreal (e incorrigível pela argumentação) sobre o próprio corpo. "Nesse caso, o tratamento incluiria a administração de antipsicóticos associados a antidepressivos", diz Possendoro.
"Quanto à história familiar, não existem dados que estabeleçam um padrão claro do transtorno dismórfico corporal com outros transtornos psiquiátricos", diz Amâncio.
Dismorfofobia e outros transtornos obsessivos Pacientes com transtornos obsessivos têm maior atividade em uma determinada região do cérebro, o córtex pré-frontal, o que os leva a ter procedimentos de controle exagerados, como retornar à própria casa várias vezes para checar se o fogão ou o ferro de passar foram desligados. Ou seja, estão sempre em estado de alerta. Dos transtornos psiquiátricos, o que mais se assemelha em critérios diagnósticos com a fobia social é o transtorno dismórfico corporal. Em ambos, os pacientes apresentam ansiedade social elevada, esquiva de situações sociais e medo de crítica e comentários adversos sobre sua aparência. Isolamento social e falta de habilidade social geralmente estão presentes nos dois casos. Herodotus
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Narcisismo
Para a psiquiatra Magda Vaissman, professora da UFRJ, transtornos de personalidade como narcisista, obsessivo- compulsivo e borderline podem predispor à dismorfofobia. "É muito frequente que o transtorno esteja associado ao narcisismo. Do ponto de vista psicanalítico, é um problema na elaboração do narcisismo primário. No complexo de Édipo, a criança sai do narcisismo para ir ao encontro do outro. Mas isso pode não ser bem elaborado, dando origem à personalidade narcisista", explica.
Em outros casos, a dismorfofobia está relacionada ao transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), no qual a pessoa se entrega a uma série de rituais de verifi cação do corpo, marcas e cicatrizes para afastar um pensamento incômodo ou intrusivo. A diferença do paciente com TOC em relação àquele que sofre de dismorfofobia é que, no primeiro caso, ele está convencido de que o pensamento intrusivo que leva à compulsão não é verdadeiro, embora não consiga se libertar, enquanto no segundo caso, a preocupação com o corpo é quase um delírio. "O quadro pode se apresentar como uma compulsão, no qual a pessoa segue uma série de rituais ou pode ocorrer ao nível do pensamento, que são as obsessões", analisa.
Ela lembra que a vigorexia, uma espécie de dependência por exercícios físicos associada ao culto à imagem, pode ser uma variante da dismorfofobia. "A pessoa nunca está satisfeita com o corpo, acha que pode perder massa muscular, mergulha numa rotina extenuante de exercícios e, muitas vezes, recorre aos anabolizantes para manter o tônus muscular", diz Magda.
Critérios Diagnósticos do Transtorno Dismórfico Corporal A. Preocupação com um imaginado defeito na aparência. Se uma ligeira anomalia física está presente, a preocupação do indivíduo é acentuadamente excessiva.
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Assim como a dismorfofobia, a vigorexia é uma espécie de dependência por exercícios físicos associada ao culto à imagem, e mostra a insatisfação da pessoa com o próprio corpo |
Cultura do belo
Uma entrevista feita com 162 homens e 184 mulheres pela divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas, em São Paulo, mostrou que 69% dos entrevistados passaram pelo menos uma hora por dia pensando que não têm uma boa imagem. Mas o que leva cada vez mais pessoas a um descontentamento tão grande com a própria aparência?
Alguns especialistas chegam a questionar se a anorexia poderia ser um caso de dismorfofobia
O transtorno pode ser reflexo de uma sociedade obsessivamente preocupada pela estética corporal, que vende corpos nos meios de comunicação. "A nossa sociedade finge que o transtorno não é um problema. Há um individualismo exacerbado, as pessoas vivem isoladas, as famílias são desestruturadas... A cultura do belo incentiva a competição, o indivíduo vive mergulhado numa sensação de fracasso, ele sente que nunca vai chegar lá", afirma Magda.
"O problema é que a maioria das pessoas com dismorfofobia não procura atendimento psiquiátrico, já que a sociedade incentiva a cultura do belo", analisa Magda. Outro motivo que afasta dismórficos dos consultórios é que muitos preferem se entregar ao bisturi. Pesquisa feita pelo Instituto InterScience revelou que 90% das mulheres e 65% dos homens afirmam sonhar com mudanças no próprio corpo. Do total, 5% já tinham feito alguma plástica e 90% já faziam planos de realizar a segunda. Entre aqueles que nunca fizeram uma cirurgia plástica, 30% declararam que esperavam ter coragem para realizá-la.
Um estudo feito pelo Observatoire Cidil des Habitudes Alimentaires (Ocha) em um universo de mil mulheres revelou que 86% delas se dizem insatisfeitas com suas medidas. Apenas 14% alegaram estar satisfeitas com o próprio corpo. O Brasil é o segundo no ranking dos países que mais realizam cirurgias plásticas, metade delas puramente estéticas - 40% lipoaspiração, 30% mamas, 20% face. A maioria foi realizada em pessoas de 20 a 34 anos. O número de jovens que colocaram próteses para "turbinar" os seios aumentou 300% nos últimos dez anos.
E não adianta o familiar contrariar o paciente que sofre do transtorno. "Quanto mais oposição se faz, mais se cria uma resistência por parte do paciente. O ideal é não incentiválo. O que a família pode fazer é mostrar que há outros prazeres na vida, que não o culto ao corpo, e fazê-lo entender que ele sofre de uma doença", aconselha Magda.
Essas pessoas podem apresentar fortes ideações suicidas. 13% dos pacientes psiquiátricos britânicos apresentam o transtorno. 75% das pessoas com dismorfofobia não se casam ou se divorciam, 70% têm ideações suicidas e 25% realmente se suicidam. 20,7% das pessoas que fazem cirurgias de rinoplastia têm um possível diagnóstico de dismorfofobia. Pesquisa feita pela Universidade de Utrech, na Holanda, mostra que as mulheres que se submetem a operações de implante mamário apresentam risco três vezes maior de cometer suicídio em relação às demais mulheres. 82,6% das pessoas que sofrem o transtorno se sentem insatisfeitas com os resultados das cirurgias. Existe a crença de que a próxima intervenção será a última. E assim, entram num circuito no qual a insatisfação é cada vez maior. Muitos casos vão parar na Justiça.
O problema nos faz questionar sobre a ética no exercício do cirurgião plástico. "O médico deveria estar preparado para identificar a dismorfofobia. O ideal seria uma interação entre o cirurgião e o psiquiatra ou o psicoterapeuta. Muitas vezes o profissional faz a correção daquilo que é um grande incômodo para o paciente, e esse desconforto em relação à aparência se desloca para outra região do corpo", observa Amâncio.
Outros transtornos somatoformes O transtorno de somatização (historicamente chamado de histeria ou síndrome de Briquet) é um transtorno polissintomático que se inicia antes dos 30 anos, estendese por um período de tempo e é caracterizado por uma combinação de dor, sintomas gastrintestinais, sexuais e pseudoneurológicos.
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muito bom, parabéns!
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