domingo, 30 de junho de 2013

Obesidade e psicanálise. Parte 1

Ensaio sobre a obesidade
O corpo do obeso é lugar de gozo e de pulsações que geram atos psíquicos repetitivos. Ele é ainda mais complexo, é um corpo pesado pelo psíquico, pela biologia e pela pressão do social

Por Eduardo Lucas Andrade e João Antônio Fernandes



 
O corpo representa o inconsciente e a partir dele satisfazermos as necessidades e exigências pulsionais
O corpo que é incomodado pela pulsão, muitas vezes demanda análise. O corpo é campo concreto para aquisição de sintomas, adesão de mal-estares, investimento de energias psíquicas e representações de ideias inconscientes. O corpo é a fala na carne. Ele tem desmedido peso na teoria psicanalítica e em sua clínica.
Na contemporaneidade, estamos vivendo a cultura dos avanços desenfreados, e com ela surgem novas aplicações do corpo e sobre o corpo, acompanhando (re)edições de sintomas e manifestações psíquicas. A noção de corpo acompanha a teoria psicanalítica desde os seus primórdios. Antes mesmo de Freud denominá-la de Psicanálise, está lá, registrada no "Projeto Para uma Psicologia Científica", de 1895. Aliás, podemos dizer que foi o corpo que ligou Freud à Psicanálise. O corpo histérico manifestando enigmas obscuros do inconsciente, até então desconhecido pela Ciência. Ainda nessa lógica, o corpo foi o que impulsionou Freud a desvendar a obscuridade humana e a se encontrar com o psíquico. Do corpo histérico, como estimulante, ao corpo de Freud, impulsionado pelo Desejo, nascem os primeiros passos que o levariam à descoberta do inconsciente e à fundação da Psicanálise.
De lá para cá esse corpo sofreu desmedidas variações em suas manifestações de linguagens psíquicas nas suas motilidades pulsionais. Do corpo histérico enveredamos ao corpo da psicossomática, da anoréxica, da bulímica, ainda o da "nova" configuração histérica, além do corpo erógeno e do narcísico. Temos ainda o complexo corpo do obeso que inflinge padrões sociais de nossa época, deixando esse corpo como estranho e tendendo-o o social à excluí-lo.

Na Psicanálise, o obeso deverá elaborar o peso que sua condição pulsional lhe colocou em parceria com o Desejo e o corpo

Ao longo do tempo, o corpo sofreu desmedidas variações em suas manifestações de linguagens psíquicas nas suas motilidades pulsionais: do corpo histérico enveredamos ao corpo da psicossomática, da anoréxica e da bulímica
Assim como o da histeria, o corpo do obeso é um corpo estendido como lugar. O corpo do obeso é lugar de gozo e de pulsações que geram atos psíquicos repetitivos. O corpo do obeso é ainda mais complexo, é um corpo pesado pelo psíquico, pela Biologia e pela pressão do social; é um corpo que pesa na sua estreita relação com o Desejo, enfatizando sobre máscaras do prazer drásticas consequências tanto na vivência quanto na sobrevivência. É um corpo que sofre o verdadeiro peso do mal estar da civilização estampado em seu real na carne. Um corpo que se afastou do Desejo e se tornou problema social singular. Mais da metade dos brasileiros está acima do peso, a isto, chamamos de sobrepeso, obeso é um complexo ainda maior. Entenderemos o obeso como um sobrepeso que vai além, conforme veremos.
O corpo representa o inconsciente, assim como o corpo deste escrito representa minhas ideias. O corpo é nossa ferramenta para moposdificar o mundo externo e a partir dele satisfazermos as necessidades e exigências pulsionais. Será assim também o corpo do obeso? De certo a pulsão coloca o corpo em movimento, promove a escolha e incomoda-nos em nossa inquietante busca. Já o obeso encontra dificuldades nessas articulações pulsionais e libidinosas, volta-se a si o peso das relações com o mundo. Peso este que leva-o muitas vezes à clínica psicanalítica, já que se foge do mundo externo deparando-se consigo mesmo - e de nós mesmos é impossível fugirmos. A Psicanálise pode possibilitar ao sujeito obeso o nascimento de uma leveza de ser, por meio do (re)encontro com o Desejo e com suas pulsões credenciadas, que jazem ancoradas ao corpo.
Na Psicanálise, o obeso deverá elaborar o peso que sua condição pulsional lhe colocou em parceria com o Desejo e o corpo, restando sempre a pergunta: o que será que pesa mais, o corpo de um obeso sobre a balança ou seus conflitos psíquicos sobre o corpo?

Neurobiologia, fase oral e obesidade
O descontrole na quantidade de alimentos ingeridos, em paralelo com a falta de disciplina nos horários observados para o efeito, nos faz regressar ao estudo e investigação da fase oral, em que o peito da mãe lhe era oferecido ao ser observada a mais leve irritação. Associada a esta relação, suspeitamos que a excessiva intimidade corporal do bebê com a pele da mãe possa ocasionar nele uma excessiva erotização.
No primeiro caso, o aspecto da disciplina, e de ser contemplado com o estritamente necessário, decerto lhe daria uma ordem, que de fato não podemos observar. No segundo caso, a excessiva erotização garante uma dependência relativamente ao objeto de desejo, ferindo de morte o caminho da autonomia.
Somos confrontados com o objeto desejado e sexualizado, que devido ao padrão de estética idealizado na atualidade, não merece a atenção dos outros, recorrendo, por isso, a todos os métodos para que possa adquirir um modelo desejado e desejável, em que nos é dado a perceber a finalidade de ser amado. Eis a frustração, que empurra o obeso para o médico, e alguns para a análise, por impossibilidade, de por si só. tornar-se o modelo desejado da sociedade.
Podemos ousar, e admitir, que existe uma conversão de excitações exageradas, por impossibilidade de descarga no mundo exterior, que reportam, mais ou menos, ao mesmo grau valorativo da irritação primária. Perante a irritação e na ausência do objeto de desejo, a comida servirá de apaziguador dessas excessivas excitações sentidas.


http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/89/artigo290551-2.asp

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