segunda-feira, 16 de maio de 2016

AS ESTRUTURAS CLÍNICAS NA VISÃO DA PSICANÁLISE

A Psicanálise afirma a existência de três estruturas clínicas: a neurose; a psicose e a perversão. A neurose, de longe a mais comum, atua no sujeito através do recalque: há um conflito com recalque. A psicose, com o mecanismo da forclusão, reconstrói, para o sujeito, uma realidade delirante ou alucinatória. Já a perversão, mantida através da denegação ou desmentido, faz com que o sujeito, ao mesmo tempo, aceite e negue a realidade, com uma fixação na sexualidade infantil.




Sigmund Freud ergueu o edifício da Psicanálise em alguns pilares, sendo o Complexo de Édipo talvez sua pedra angular. Como nascemos de um casal, formamos com ele um triângulo. Nesta configuração, cada elemento exerce uma função específica. A mãe é o primitivo objeto de amor. O pai, o representante da lei do desejo e responsável para que a lei seja aplicada. A criança transitará entre um e outro, atravessando diversas fases em seu desenvolvimento até que possa (ou não) constituir-se como sujeito desejante e de linguagem, inserido na cultura.
As estruturas clínicas, portanto, irão depender da atuação das figuras parentais, sendo que o pai, por sua presença ou ausência, por sua atuação ou omissão, terá um papel predominante. É função paterna provar à criança que tem desejo e palavra, autoridade e comunicação. Quando há falha na função paterna, as consequências sempre são devastadoras para a prole. O que determina cada estrutura clínica é, pois, como o sujeito encena, apreende e interpreta sua história diante das funções materna e paterna. Logicamente, podem estar implicadas tendências genéticas ou hereditárias, mas o que faz com que seja escolhida esta ou aquela estrutura é o modo como nossa história se desenrola diante de nossos olhos interiores.
Aquele (mas também pode ser aquela) que exerce a função paterna deve operar no filho o que a Psicanálise chama de “castração”. A castração separa o filho da mãe na unidade simbiótica primitiva. Sempre leva o sujeito à angústia da perda e da separação, mas também abre o caminho para a linguagem, a cultura, o desejo, o amor, a vida em toda a sua plenitude. Contra a angústia e o sofrimento causados por tal operação, a criança reagirá com mecanismos de defesa variados. É a predominância do mecanismo utilizado que determinará sua estrutura. Como apontado acima, os mecanismos são o recalque; a forclusão e a denegação ou desmentido.
Dito de modo simplificado, a neurose é uma patologia cujos sintomas simbolizam um conflito infantil recalcado. É uma maneira do sujeito se defender da castração a que foi submetido, numa fixação edipiana. Pode ser através da histeria; da fobia ou da neurose obsessivo-compulsiva. Na histeria, o conflito se mostra de modo dramático ou teatral, sob forma de simbolização através de sintomas no corpo: ataques ou convulsões; paralisias ou contraturas; cegueira ou outras conversões somáticas. Na fobia, que também pode ser vista como um sintoma histérico, o sujeito traduz a angústia primitiva da castração num pânico imotivado, frente a algo que, de fato, não oferece perigo. Difere, assim, do medo racional e objetivo. Já a neurose obsessivo-compulsiva é caracterizada por um conflito infantil e por uma fixação da libido na chamada fase anal do desenvolvimento.Freud, ao contrário de alguns psicanalistas mais modernos, acreditava na possibilidade de mudança de estrutura a partir do tratamento. Embora possa haver polêmica em torno deste assunto, o que se percebe, na clínica, é uma possível variação ou trânsito entre as neuroses, mas nunca na psicose ou na perversão. Há abrandamentos ou a chegada a certo equilíbrio. A escolha da estrutura, porém, não depende da vontade consciente do sujeito. O psicanalista francês Jacques Lacan afirmará que a linguagem é que nos determina. Porque tudo dependerá de como a criança integra os acontecimentos de linguagem que ocorrem à sua volta. Essa reação é pessoal, subjetiva, intransferível e insondável, uma vez que inclui nossas fantasias inconscientes desde o nascimento ou talvez até antes dele.
O termo psicose, em Freud, designa uma reconstituição delirante ou alucinatória, por parte do sujeito que não consegue chegar á simbolização e à linguagem. Freud sempre rejeitou a organogênese da psiquiatria e tentou esclarecer as motivações inconscientes que levam a essa estrutura. Podemos classificar as psicoses em: esquizofrenia; paranóia e psicose maníaco-depressiva. Na primeira, há incoerência de pensamento, do afeto e da ação, o “ensimesmamento” (ou autismo) e delírio/alucinação. Já a paranoia enfatiza um modo de compreender a realidade equivocado, caracterizado por um delírio sistemático, completo e a inexistência de deterioração intelectual. O maníaco-depressivo, hoje dito portador de “transtorno bipolar”, alterna momentos de grande agitação maníaca e outros de extrema melancolia, tristeza ou depressão.
O conceito de perversão sofreu modificações do início freudiano aos nossos dias. Não devemos confundir a estrutura perversa psicanalítica com as perversões listadas pela psiquiatria ou outras ciências e mesmo religiões. A perversão é, assim, uma renegação da castração, com fixação na sexualidade infantil. O sujeito aceita a realidade da castração paterna, que, para ele, é inegável; mas, ainda assim, diferente do neurótico, tenta desmenti-la e negá-la. Para Lacan, a perversão será detectada no discurso de cada um. O perverso se dá o direito de transgredir a lei e viver segundo seus próprios requisitos, enganando as pessoas. Numa linguagem popular, o perverso é um mal-intencionado.
O tratamento psicanalítico depende do diagnóstico por parte do Analista. Este deverá, após algumas sessões preliminares, determinar a estrutura do sujeito e como se dará a sua Análise a partir disso. Ater-se a tais estruturas é, portanto, uma ferramenta e um recurso importantes para o clínico. Todo o sucesso ou fracasso do tratamento depende, em grande parcela, do diagnóstico.


Escrito por: 
Paulo Emanuel Machado é psicanalista, escritor e professor. Tem dois romances publicados: A TEMPESTADE (Editora Scortecci, 2014) e VOCÊ NÃO PODE SER O OCEANO (Edição independente, 2015), ambos baseados em relatos de pacientes e alunos. O primeiro sobre abuso sexual; o segundo sobre a travessia difícil da adolescência. Também possui artigos publicados e contos em antologias. É de Salvador, Bahia, nascido a 10 de janeiro de 1960.

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