terça-feira, 14 de abril de 2015

Distimia e Psicanálise

Ia escrever pessoalmente sobre distimia e psicanálise a pedido de uma Leitora, porém, encontrei esse texto que considerei digno de compartilhamento por ser completo e bem elucidativo! 
Por favor curtam em curtir e compartilhem!



Vanda C.Pignataro Pereira


Antes de tudo, gostaria de agradecer o convite feito pela AMP para falar deste tema e expor, no que diz respeito ao tratamento, o que a Psicanálise pode trazer como contribuição para um assunto tão relevante e atual.
Começo dizendo com Freud que a psicanálise é um método terapêutico e como os demais tem seus triunfos, suas derrotas, suas dificuldades e suas indicações.
Com algum bom humor poderíamos até dizer que a Psicanálise e a Psiquiatria compartilham, nos seus resultados, da impossibilidade de competir com os resultados do Padre Cícero por exemplo, posto que devem ser mais numerosas as pessoas que crêem em milagres do que as que crêem no inconsciente ou na serotonina... Contudo, se além de método terapêutic, a Psicanálise puder ser reconhecida pelas verdades que contém, pelas informações que nos proporciona a respeito daquilo que mais interessa ao ser humano_ a sua própria natureza_ e pelas conexões que ela desvenda, já terá justificado o fato de ser um método impar.
No mais atual das diretrizes diagnosticas em psiquiatria, deparamo-nos na seção dedicada aos transtornos persistentes do humor, com o diagnóstico denominadoDistimia. Em sua descrição, surpreendemo-nos ao encontrar a seguinte observação "os pacientes se descrevem como estando bem, mas na maior parte do tempo, por freqüência meses, sentem-se cansados,deprimidos, nada é desfrutável e portanto tem muito em comum com os conceitos de neurose depressiva ou depressão neurótica".
Freud nunca trabalhou com esta categoria diagnostica_ a Distimia. A neurose, a psicose e a perversão são os diagnósticos, de estrutura com os quais a Psicanálise trabalha. Assim manter-se fiel a Freud implica levar isso em consideração.
Sabemos, por experiência clínica, que um neurótico é incapaz de aproveitar a vida e ser eficiente. Incapaz porque sua libido não se dirige a nenhum objeto real e ineficiente porque despende sua energia para manter a libido sob recalcamento e repelir seus assaltos. Sua libido acha-se então comprometida com seus sintomas, sua única satisfação substitutiva possível. Obviamente isto visto na prática, tem conseqüências, uma vez que teremos sempre que considerar que, se o sintoma leva o sujeito a procurar ajuda e se essa solicitação se refere a uma certa harmonia que se viu quebrada, o sentido etimológico da palavra -sintoma- é mesmo " o que se produz junto", "o que coincide". Esta é a conotação medica que o sintoma tem. Entretanto, se o abordamos do viés psicanalitico, o sintoma muda radicalmente de valor_ decisiva contribuição de Freud. No discurso analítico o sintoma já não se articula a uma harmonia , antes pelo contrário, a uma desarmonia, e só daí podemos extrair o sujeito como um ser falante do sintoma.
Ao partir do sintoma como interpretável Freud esbarra na reação terapêutica negativa, demonstrando-nos que ele deve ser abordado a partir de duas frentes: Como mensagem cifrada, a ser decifrada e como maneira de gozar o que implica, se no sintoma algo que se satisfaz de maneira fechada, em o sujeito não querer se ver assim tão facilmente livre dele.
Quanto ao humor, as investigações de Freud datadas de 1927, portanto quando já desenvolvera sua 2a. tópica, são no sentido de apontar que ele tem algo de liberador , alinhando-o ao chiste e ao cômico. Evidentemente Freud fala de um humor oposto ao humor distimico, aponta esta capacidade do aparelho psíquico de desviar do sofrimento , colocando-o _ o humor_ entre a série de métodos nobres que a mente humana construiu a fim de fugir da compulsão para sofrer. Se o chiste é a contribuição feita ao cômico pelo inconsciente, o humor seria a contribuição feita ao cômico pela intervenção do superego, como se o eu temporariamente, se colocasse sob a proteção daquele, ao invés de em oposição. Melhor dizendo, ser capaz de extrair graça das desgraças não é próprio do distimico, seria preciso humor , justo o que ele parece não ter.
Para pensar a questão depressiva, do ponto de vista psicanalítico, classicamente é o luto, desde Freud, que propicia o paradigma da depressão. O texto referencial, "Luto e Melancolia" serve de reflexão para essas duas condições clínicas, depressivas por excelência..
Apesar do luto envolver graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, perde-se o apetite, acontece a insônia, a tristeza domina o quadro, mas jamais nos ocorre considerá-lo como condição patológica e submetê-lo a tratamento. Freud se pergunta por que sendo uma condição natural diante da perda, seu processo se faz de forma tão dolorosa. Mas pensando bem, percebe-se que esse aspecto misterioso do luto está em acordo com um aparelho psíquico que se constitui às expensas de uma insatisfação ( a experiência de satisfação é mais uma experiência de insatisfação), de uma dor que nunca se extingue, põe-se no máximo em suspensão e de um campo alhures que se constitui_ o campo do Outro.
Acentua Freud que os traços distintivos da melancolia e do luto decorrem da grave perturbação da auto estima presente na primeira que encontra expressão no auto-envilecimento e auto-recriminação e culminam com uma expectativa delirante de punição. Conclui que há uma inibição e circunscrição do eu. Este é um ponto reafirmado em "Inibição Sintoma e Angústia"- onde vai distinguir duas categorias de inibição do eu_ uma como defesa para não entrar em conflito com o supereu e outra como empobrecimento de energia. É assim que Freud tratará da dor do luto e a depressão se caracterizaria por esse desinvestimento. O que entra em causa é o campo do Outro o que Freud chama de desinvestimento do mundo exterior. Nesse mesmo texto aponta para um luto que ele classifica como patológico, aproximando-o da condição obsessiva, pelo conflito ligado à ambivalência objetal, que o prolonga excessivamente.
Sabemos que o neurótico é aquele que cede sobre seu desejo, mantém-se aferrado à comodidade que seu fantasma lhe proporciona, e é também o covarde moral, que se resguarda da castração, gozando com sua impotência. A noção psiquiátrica de humor, encontra sua ressonância no texto freudiano com relação à teoria dos afetos. Quando dizemos afetos e sentimentos inconscientes, é por um abuso de linguagem. Da pulsão, o que cai sob o golpe do recalque, é o representante ideativo, vale dizer, o lado significante da pulsão é que permanece inconsciente. O afeto, este se desloca, é essa sua natureza _ desnaturalizar-se quanto à origem_ para se ligar a outros significantes. Por isso é preciso verificá-lo, devolvê-lo a sua verdadeira face. Esta é uma indicação clínica precisa no que diz respeito à condução do tratamento. Por exemplo, a tristeza com seu correlato suicida, pode muito bem esconder uma ânsia de matar. Quantos psiquiatras perplexos se mortificam ao se surpreenderem com o fato de que, apesar de estarem corretamente conduzindo o tratamento o paciente se mata ?
O afeto embaralha as pistas , desvirtua a decifração simbólica e, exceto a angústia, é enganador. Daí a necessidade de clinicamente ser verificado.
Introduzir a clinica psicanalítica no campo dos distúrbios de humor em psiquiatria, tem conseqüências. Primeiro por que não há psicanálise sem transferê ncia, a transferência é uma estrutura e o que ordena a experiência é o discurso analítico. A escritura deste discurso, nos permite situar os fenômenos da transferência que sabemos não serem simples. Depois com muita relevância, sabemos que a clínica psicanalítica visa à estrutura do sujeito, o que nos remete rapidamente à pergunta de como ela a atinge. Fazendo emergir no cerne desta estrutura, um Outro lugar. Só existe sujeito em função do Outro. Isto é problemático quando pensamos que os distúrbios de humor são concebidos em psiquiatria no seio de um questionamento intrasubjetivo.
Dentro do referencial analítico, que tratamento dar a esses afetos: tristeza, raiva, etc... Lacan em " Televisão", fazendo ressonância com a teoria dos afetos em Freud, restaura a noção das paixões da alma, noção que tem sua origem em Aristóeles e Tomás de Aquino, para quem alma está indissociada do corpo, ou melhor "alma é a forma do corpo" apontando com isso menos a matéria e mais a imagem Assim, o afeto chega a um corpo habitado pela linguagem e quando aí não encontra alojamento, passa a chamar-se morosidade, mal-humor. Ao considerar o afeto fundamentalmente como pecado e tomar a tristeza, por exemplo como falta moral, qual seja falta ética, perante o dever de bem dizer, o que o sujeito mergulhado na tristeza está evitando é medir-se com o desejo do Outro e com o gozo que teria de sacrificar a ele. Desta perspectiva, a tristeza é uma maneira de ignorar que o desejo se fundamenta no Outro. Com isso a problemática da falta é evitada e substituída pela problemática do ter e da dádiva. O sujeito sempre esperando que deve haver alguma coisa que o cure de um mal-estar que é de estrutura, nada querendo saber de seu incurável, vale dizer de sua divisão, acaba levando-a um impasse do qual se recusa sair. As chamadas depressões refratárias ai estão a nos demonstrar isso à exaustão.
Como e porque, nesse sujeito dito deprimido, a organização significante que comanda seu discurso inconsciente, permanece tão distinta do gozo, porque ele faz tanta questão de ignorar o desejo do Outro, nos fica como questão.
Gostaria ainda, para finalizar, de dizer que se observarmos atentamente o manual "Programa Educacional sobre Distimia para Psiquiatras", somos forçados a perceber, que sintomatologicamente, ora o quadro se aproxima do que em Freud se chama melancolia, ora do que se descreve sob o nome de luto patológico. Neste ponto quero lembrar algumas de suas palavras ao examinar as relações da Psiquiatria com a Psicanálise: "É de se esperar que em futuro não muito distante, perceber-se-á que uma psiquiatria cientificamente fundamentada não será possível sem um sólido conhecimento dos processos inconscientes da vida mental"._ Nosso esforço.
Bibliografia
1) Freud, S. _Novas conferencias Introdutórias_ .XXXIV- ESB vol.XXII Imago,RJ,1976.
2) Ibdem - Conferencia Introdutória XVI - pag. 302
3)Freud, S.- "Luto e Melancolia"VOL. XIV
4Lacan , J.- Televisão ( mimeo)
5) Soler, S.- Artigos clinicos ED. Fator 1991, Salvador
6)André, S. -"A impostura perversa"Ed. JZE RJ !995, pag. 205
7)Freud, S -"Inibição,sintoma e angustia"
8) Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento- CID 10
9) Vidal, E A - Revista da letra Freudiana , no. 11/12/13/14/.- RJ
10) Cottet,S.- "Como se analiza hoy"- Ed. Manantial- Buenos Aires
11) Miller, J.A- "La envoltura formal del sintoma"- Ed.Manantial,B.Aires,1989

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